Quando
pensamos em automóveis clássicos de extrema elite – especialmente os das
décadas de 20 a 40 – que vencem premiações do tipo Best in Class em concursos
de elegância, é quase inevitável pensarmos em automóveis com pinturas lisas
como um espelho, com zero textura de casca de laranja, gaps de portas e capô
zerados como um Bentley Continental GT 2018, assoalho brilhando como a parte de
cima da carroceria, cada parafuso polido e interior absolutamente perfeito em
cada poro. É um nível de perfeição tal que, somado ao design atemporal destes
veículos, o resultado é uma presença divina, como um monolito de 2001 na
forma de um automóvel.
Fotos
de época dos Talbot Lago do fim da década de 30 mostram carros maravilhosos,
mas um pouco mais mundanos em termos de brilho e vãos e recessos de carroceria
nas junções com acabamentos do que os que vemos na fotos de carros de Pebble
Beach. Esse tipo de restauração envolve um pelotão de profissionais de extrema
qualificação e frequentemente eleva o automóvel para uma condição técnica e de
luxo melhor do que a que ele foi quando saiu zero quilômetro da fábrica ou do
coach builder. Este estado é chamado entre os colecionadores como “mint” ou
“better than new”.
A
belíssima cabine deste Bizzarrini 5300 GT é o típico caso de over restoration:
chamada de “restauração concours” pelo dono, traz um luxo que nunca existiu nas
cabines originais. Sua execução está infinitamente superior, com materiais e
técnicas muito melhores. Além disso, o console central foi modificado ao gosto
do dono, apesar da cara de época. Um interior maravilhoso, mas que não pode ser
chamado de original quanto menos de restauração concours Mas há um outro
nome menos bonito que tem sido empregado cada vez mais com quem está preocupado
com a distorção histórica que está sendo criada com esta bela obsessão: “over
restoration”, que podemos entender como restauração excessiva. A estes, embora
sejam fascinantes aos olhos, boa parte dos vencedores de concursos de elegância
são veículos reimagined, pertencentes a uma realidade paralela mistificada
e fantasiosa, ficando muito mais próximos de uma customização que da coerência
histórica.
Cabine
original de um Bizzarrini 5300 GT: bem menos cativante, mas historicamente
coerente. A preocupação deste grupo não é nada ilegítima: nos últimos anos,
muitos exemplares únicos valiosíssimos e íntegros foram completamente
desmontados e refeitos do zero para se atingir uma perfeição estética
conceitual, despindo-os de toda a substância de época em nome de uma premiação
num concurso de elegância – mas estes, em tese, deveriam valorizar acima de
tudo a preservação histórica, pois caso contrário, seria uma espécie de SEMA
Show da placa preta.
E
não é que isso aconteceu muitas vezes? Assumiu-se processos fascinantes do
ponto de vista técnico, mas o resultado são carros perfeitos demais para serem
historicamente coerentes, para não falar das discretas adições de luxo que são
feitas em muitos veículos presentes nestes concursos: dobradiças cromadas
no lugar de pintadas, assoalhos e cofres de motor polidos, caixas de
diferencial com rugosidade eliminadas, elementos banhados ou polidos em vez de
crus, arremates de couro adicionais, couro de primeiríssima linhagem no lugar
de tecido, madeiras mais nobres, vernizes ou elementos de marchetaria no painel
onde não havia, tapetes e carpetes mais caprichados e rebuscados. São elementos
difíceis de serem identificados pelos juízes até pelo volume de carros a serem
avaliados in spot sem material imagético de época disponível em mãos, mas que
todos juntos, dão aquela aura divina e quase sobrenatural ao veículo. Fonte: www.flatout.com.br
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