Os pequenos Willys
Interlagos, com seus motores de 845 cm3, brilhavam nas pistas e nas ruas. Eles
eram o que tÍnhamos em matéria de nacionais esportivos, até a primeira da
década de 60. Diante da escassez de opções, o espanhol Rigoberto Soler percebeu
uma oportunidade e convenceu a direção da Brasinca, fábrica de carrocerias para
ônibus e caminhões, a fazer um carro que tivesse desempenho alinhado ao de
similares estrangeiros. Após obter
sinal verde, sua opção foi desenvolver uma estrutura monobloco em sintonia com
componentes mecânicos da linha Chevrolet, que na época era composta de
caminhões e utilitários. E nada de usar fibra de vidro, como o esportivo da
Willys: o Brasinca 4200 GT, também conhecido pelo nome de Uirapuru, como era
chamado na fase de projeto, teria carroceria moldada em aço. Ao ser apresentado
no Salão do Automóvel de 1964, o GT era o máximo a que se podia aspirar em
potência nacional.
Ele era equipado com o
eclético motor de seis cilindros em linha - que havia anos movia caminhões e
utilitários GM -, com uma dieta balanceada por carburação tripla SU, inglesa.
Usava câmbio Clark de três marchas e fazia de 0 a 100 km/h sem trocar de
marcha, tudo em primeira! A combinação do câmbio de três marchas e diferencial
longo dava a impresso de o Brasinca ter fôlego infinito.
Ele teve sua produção
descontinuada por alguns meses e voltou a ser fabricado em 1966. Foi fabricado
em três configurações de motor: a versão 4200, com comando original e 155
cavalos, a 4200 S, já equipada com comando de válvulas Iskenderian C4 de 163, e
a mais brava, com 170 cavalos, patrocinados pelo comando E2, da mesma marca.
Tão marcante quanto sua
força contra o cronômetro era o desenho da carroceria. Tanto que, em conversas
de iniciados, corre o mito de que o Museu de Arte Moderna de Nova York, também
conhecido como MoMA, teria um Uirapuru em seu acervo. De fato, isso no passa de
lenda. Outra questão que anima discussões versa sobre a estranha coincidência
de linhas entre o esportivo e o inglês Jensen Interceptor, lançado dois anos
após a apresentação do Uirapuru. As dúvidas fazem aumentar o carisma.
O instigante desenho do
carro não levava em conta a meteorologia. Nos dias de chuva, sair do seu
interior era banho na certa. O recorte das portas, que avança na capota, pode
ser um recurso visualmente interessante, mas pouco prático. Tanto que no foram
poucos os proprietários que soldaram as reentrâncias depois da primeira ducha.
Ainda parado, com a cabine
tomada pelo ronco grave do motor, basta pressionar o acelerador a meio curso
para fazer o carro inclinar. O motorista, situado numa posição baixa, tem à
disposição um arsenal de instrumentos que ajuda a monitorar o carro.
Velocímetro, conta-giros mecânico, amperímetro, marcador de combustível,
pressão do óleo e temperatura de água. O volante Walrod é grande para os dias
de hoje, mas padrão nos anos 60. E seu tamanho se justifica nas manobras sem
assistência hidráulica. Na avaliação feita por
QUATRO RODAS na edição de novembro de 1965, o Brasinca confirmou nos números
sua proposta esportiva. Foram 10,4 segundos para o 0 a 100 km/h e estimados 194
km/h de máxima, teste realizado na Via Anchieta (SP), que apresentava asfalto
em estado precário na ocasião.
A história do carro que
ilustra esta reportagem, contada por seu atual proprietário, é curiosa. Em
1965, a Brasinca, que não tinha nenhum exemplar do carro em seu poder,
conseguiu recomprar o exemplar que você vê, em estado de novo. Com o passar do
tempo, o carro ficou abandonado na fábrica até ser adquirido por um advogado,
que o repassou para o atual dono, o médico mineiro Otávio Pinto de Carvalho.
Formalmente, o carro foi repassado diretamente da fábrica para Otávio, em 1997,
com 30000 quilômetros registrados no hodômetro, pelo valor simbólico de 1 real.
A marca do rádio que está
no painel revestido de jacarandá já foi motivo de orgulho dos mineiros. É um
Jandal, fabricante local que ficou célebre pela qualidade de seus rádios nos
anos 60 e que acabou sendo absorvido pela concorrência. Segundo Otávio, seu
Brasinca tem uma peculiaridade: a vigia lateral se abre, ao contrário da
maioria dos outros. O excepcional estado de conservação do Brasinca não inibe
os passeios de Otávio. "Andar com o carro é um prazer maior que apenas
contemplá-lo", diz.
Pouco mais de um ano após
seu lançamento, a Brasinca desinteressou-se do projeto em função dos altos
custos gerados pela baixa escala. O carro continuou a ser feito pela STV,
empresa de projetos da qual Soler era diretor. No total, até 1967, foram
fabricados 77 exemplares, incluídos na conta os três conversíveis. Foi na segunda
fase que se construiu o célebre protótipo apresentado no Salão do Automóvel de
1966. O Gavião era um modelo experimental para a Polícia Rodoviária que tinha,
entre outras bossas, metralhadoras embutidas na grade, no melhor estilo 007. Fonte: http://quatrorodas.abril.com.br/