A
TVR é uma daquelas fabricantes de automóveis às quais é impossível ficar neutro
ou indiferente. É quase unanimidade que os carros da TVR não são bonitos, ao
menos não no sentido tradicional da palavra, mas a filosofia por trás da marca
os isenta do compromisso de agradar aos olhos: homem e máquina devem ter
uma conexão direta, sem qualquer tipo de assistência eletrônica e nada que
possa interferir em seu controle sobre o carro. Eram assim os TVR fabricados
nos anos 1960; foi assim que a TVR chegou aos anos 1990 como uma espécie de
salvadora dos esportivos old school; e é assim que a TVR promete
continuar. A
fase noventista da TVR certamente é pra mais conhecida pelas atuais gerações de
entusiastas, e parte da culpa disto é de Gran Turismo. A TVR era uma
das poucas fabricantes não-japonesas presentes no primeiro game da franquia,
que foi o grande responsável por apresentar a fabricante a muitos que estão nos
lendo hoje. E foi justamente no fim da década de 1990, quando a companhia estava
passando por uma ótima fase, que o Brasil quase ganhou uma fábrica da TVR. Sim,
quase aconteceu. Quase.
Tudo
remonta à abertura das importações de automóveis no Brasil, em 1990. Passada a
fase de lua de mel inicial, quando dezenas de fabricantes desembarcaram aqui
com novas opções, alguns nomes se destacaram e, pouco a pouco, foram se
consolidando. Era o caso da Honda, da Toyota e das três grandes alemãs –
Mercedes-Benz, Audi e BMW. O próximo passo, naturalmente, era a nacionalização.
A Honda, por exemplo, inaugurou sua fábrica na cidade de Sumaré/SP, onde
começou a ser fabricado o Civic. Em 1998 a Toyota se instalou em Indaiatuba
para produzir o Corolla. Duas fabricantes de grande volume, apostando em sedãs
médios para a família – e deu certo para ambas. Mas uma fabricante britânica de
nicho praticamente artesanal, como era a TVR, seria algo realmente inusitado. Após
um breve período de especulações, a TVR anunciou em abril de 1998 a intenção de
inaugurar uma fábrica no Brasil, com anúncio oficial marcado para o dia 11 de
maio daquele ano.
Naquela
época a TVR pertencia a Peter Wheeler, engenheiro químico britânico que, após
comprar um esportivo da marca e se apaixonar pelos seus carros, acabou
comprando a própria companhia em 1981 e ficou com ela até 2003. Foi um período
próspero para a marca, com o lançamento de modelos que hoje são icônicos –
começando pelo TVR Griffith em 1991, que usava motores V8 Rover e Ford. Mais
tarde, em 1996, foi a vez do TVR Cerbera, que estreou um motor seis-cilindros
desenvolvido in-house – o chamado Speed Six, que em versões
posteriores tinha até quatro litros e 412 cv, sendo o seis-em-linha
naturalmente aspirado mais potente já produzido em série. O
Cerbera, por sua vez, deu origem ao TVR Chimaera, sua versão aberta, e logo
ganhou a companhia do TVR Tuscan Speed Six. Embora tivessem nomes diferentes,
todos estes carros tinham algumas características em comum: construção tubular
com carroceria de fibra de vidro, câmbio manual, tração traseira e desenho
bastante incomum, quase avant-garde. Além, é claro, da já citada ausência
total de assistências ao motorista. Àquela
altura o brasileiro já havia se tornado um dos grandes consumidores de carros
esportivos e de luxo do planeta, de acordo com o que Creighton Brown, disse na
época. Brown tinha uma ligação forte com o Brasil por causa de Ayrton Senna –
ex-diretor da McLaren, foi ele quem convidou o futuro tricampeão para correr na
equipe britânica, após ver Ayrton disputando a Fórmula Ford inglesa. Creighton
Brown também era proprietário de terras em Farroupilha, no Rio Grande do Sul, e
foi lá que ele decidiu investir na construção de uma fábrica da TVR.
Para
tal, foi aberta uma nova companhia, a South American Sports Caras Ltda., da
qual Brown era o presidente e porta-voz. A relativa simplicidade dos carros da
TVR, que tinham baixo volume de produção, encorajava a empreitada. A única
exigência de Brown para a instalação da TVR no Brasil era a pavimentação de um
trecho de quatro quilômetros entre os municípios de Farroupilha e Flores da Cunha;
e o ingresso no Fundo Operação Empresa (Fundopem), programa de incentivo a
empreendimentos que concedia isenção de até 75% no ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços) – desde que, em troca, a empresa
oferecesse benefícios ao País, com o a geração de empregos. A TVR também
prometia um investimento de R$ 22 milhões (o equivalente a mais de R$ 105
milhões). A
fábrica seria instalada em um prédio anteriormente utilizado pela fabricante de
calçados Grendene. A previsão era que toda a infraestrutura ficasse pronta para
fabricar carros em 15 meses, com as atividades começando no primeiro semestre
de 2001. A meta de Brown era repetir no Brasil o sucesso do TVR Tuscan Speed
Six, que havia sido lançado na Europa em maio de 1999 e teve mais demanda do
que a fábrica em Surrey, no Reino Unido, era capaz de produzir – cerca de 2.000
unidades por ano. Utilizando
componentes mecânicos e ferramental importados da Inglaterra, a fábrica em
Farroupilha começaria produzindo 200 unidades anualmente. A ideia era dobrar
esta quantidade em um prazo de cinco anos. Também havia a ambição de exportar
ao menos metade dos carros fabricados para países do Mercosul.
Na
época o TVR Tuscan Speed Six era oferecido com uma versão de 365 cv a 7.000 rpm
do motor seis-cilindros. Pesando 1.100 kg, o cupê era capaz de ir de zero a 100
km/h em 4,2 segundos, com velocidade máxima de 290 km/h. Há duas décadas, um
verdadeiro foguete, com desempenho acima de qualquer outro automóvel produzido
no Brasil. Não sairia barato, claro: a previsão era que o Tuscan Speed Six
seria vendido por R$ 100.000 – cerca de R$ 370.000 em valores atuais. Era
possível comprar três exemplares do Gol GTI 16v com esta quantia, e ainda
sobrava troco para um carro popular 1.0.
Como
sabemos, porém, nada disto aconteceu. Para começar, em outubro de 1999
Creighton Brown anunciou que, em vez de Farroupilha/RS, a fábrica da TVR seria
construída em Salvador, a capital baiana. De acordo com ela, a Bahia oferecia
condições mais vantajosas, como generosos subsídios no ICMS e no IPI (Imposto
sobre Produtos Industrializados), além de ceder o terreno no qual o prédio
seria levantado. Por fim, uma nova oferta foi feita pela cidade de Joinville,
em Santa Catarina – o que atrasou o início do projeto para o ano de 2003, com a
produção prevista para começar em 2005. A situação ficou ainda pior quando um
dos sócios desistiu do empreendimento no meio do caminho, deixando um rombo nas
finanças da South American Sports Cars.
Enquanto
isto, na Inglaterra, a matriz da TVR já não ia bem. O certo começava a se
fechar sobre os esportivos old school da fabricante britânica, que em
2004 foi vendida a um empresário russo chamado Nikolay Smolensky, que tinha a
missão de reverter a queda nas vendas – falava-se que o ritmo da produção havia
caído de 12 para três ou quatro unidades por semana. A
partir daí, a situação financeira da TVR só se complicou, ocasionando a
demissão de 300 funcionários em abril de 2006. Naquele momento era impensável
investir em uma fábrica no Brasil, e o projeto foi cancelado. Naquele mesmo
ano, em 20 de agosto Craighton Brown morreu após uma dura batalha contra o
câncer. Com ele, morreu o sonho do TVR brasileiro. FONTE: www.flatout.com.br
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