Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Projetado pelos franceses em conjunto com a Chrysler, esse três-lugares de motor central obteve êxito com soluções ousadas
A Sociedade Engins Matra, conhecida por sua
especialidade em armamentos, sobretudo os aeronáuticos, comprava em 1964 a
pequena empresa de René Bonnet de carros esporte. Eram automóveis pequenos com
motores de produção em série de grandes fabricantes franceses. O primeiro
modelo foi o Djet, com motor Renault, mas a produção só tomou impulso com o
interessante 530 de
1965, que usava um V4 da Ford alemã. Em abril de 1969 a Matra assinava um
acordo com a Chrysler França, que detinha a marca Simca. Um dos objetivos era
usar a ampla rede de concessionárias da empresa para a venda dos esportivos, o
que permitiria alcançar um público bem maior; outro, usar a mecânica dos Simcas
em novos projetos, mesmo porque não parecia interessante para a Chrysler
representar um carro com motor Ford. Para o gigante norte-americano, aquela era
a oportunidade de ter um concorrente francês para a série Alpine da Renault,
que em 1971 ganharia o modelo A310. O Matra Simca Bagheera era
apresentado em abril de 1973 com uma carroceria moderna, feita em poliéster
sobre chassi de aço, e soluções originais. A frente baixa e inclinada escondia
faróis escamoteáveis, adiante de discretas saídas de ar. O motor não estava
ali: para ter acesso a ele abria-se a tampa do porta-malas traseiro, toda de
vidro, que dava acesso a outra de madeira envolvida em carpete — recurso comum
ao Alpine A310 e que não permitia boa acessibilidade. As lanternas traseiras,
que cobriam toda a largura do carro, tinham a inscrição Bagheera, nome da pantera negra da série de
ficção Mogli de Rudyard Kipling.
Com carroceria de poliéster, o Bagheera
mostrava linhas esportivas e aerodinâmicas; o motor central-traseiro tinha 1,3
litro e 84 cv
O mais curioso, porém, estava no interior: tinha três lugares
lado a lado, fato inédito para um esportivo, com banco individual para o
motorista e um inteiriço para dois passageiros. Consta que a Matra estudou a
posição central do condutor com um passageiro de cada lado, como no supercarro McLaren F1 de
1993, mas a abandonou: a ideia dificultaria o uso de componentes mecânicos de
modelos já existentes da Simca, com impacto no custo de produção. O
acabamento usava duas cores que combinavam com a da carroceria, o volante tinha
base achatada (favorável ao espaço para as pernas ao entrar e sair) e o painel
bem equipado incluía manômetro de óleo. Outra curiosidade era o rádio em
posição vertical. Ao lado do motorista posicionavam-se as alavancas de câmbio e
do freio de estacionamento. Com 3,97 metros de comprimento, 1,73 m de largura
(bem acima do padrão da época, por causa dos três lugares), 1,20 m de altura e
2,37 m de distância entre eixos, o carro oferecia boa capacidade de bagagem,
330 litros (estepe e bateria ficavam na frente), e tinha um coeficiente aerodinâmico anunciado de 0,33, excelente para a
época. O Bagheera usava o motor do Simca 1100 TI em posição transversal
central-traseira. Com 1,3 litro, comando de válvulas no bloco e dois carburadores, desenvolvia
potência de 84 cv e torque de 11 m.kgf, suficientes para velocidade máxima
declarada de 185 km/h. Tinha câmbio de quatro marchas e freios a disco nas
quatro rodas, recurso então raro; seu peso era de 885 kg. A suspensão
independente usava barras de torção em ambos os eixos: longitudinais na frente,
com braços sobrepostos, e transversais atrás, com braço arrastado, esta uma
solução frequente nos carros franceses do passado. Pneus 155/80 R 13 nas rodas
dianteiras e 185/80 R 13 nas traseiras eram uma forma de compensar a maior
concentração de peso no eixo posterior.
O modelo foi colocado à venda um mês depois da vitória
do Matra MS 670 na 24 Horas de Le Mans em julho de 1973 — bela jogada de marketing. Seus concorrentes europeus eram o Fiat 124 Sport, o Ford Capri RS,
o Lancia Fulvia Rallye e o VW Porsche 914. A primeira série especial, a Courrèges, nome de famoso
costureiro francês, vinha em 1975. Os tecidos do interior seguiam um padrão
exclusivo, em branco, bege e marrom, e havia bolsas nas portas. Só estava
disponível na cor branca. No ano seguinte vinha a versão S, com motor de 1,45
litro, 90 cv e 12,4 m.kgf do Simca 1308 GT e do Chrysler Alpine S, com o qual
acelerava de 0 a 100 km/h em 11,6 segundos. Os vidros das portas ganhavam
controle elétrico, o teto solar vinha como opcional e as rodas passavam a ser
de alumínio. No teste da revista inglesa Car as soluções incomuns do Bagheera S
foram aprovadas: “É uma máquina notavelmente prática em muitos aspectos. Os
três lugares são uma excelente ideia e o tecido dos bancos é especialmente
apelativo. Há muito espaço na cabine e um amplo porta-malas. O acabamento da
carroceria é bom o suficiente para você se perguntar se ela é realmente de
plástico”. Embora com desempenho modesto para um esportivo, o motor foi
elogiado: “Tem uma grande disposição para girar forte e suavemente. É um carro
que dá ao motorista grande confiança dentro de minutos. No limite de aderência
a traseira começa a sair, mas a correção é fácil. O material do Bagheera
descreve-o como um carro para quem coloca o prazer de dirigir em primeiro
plano: é verdade, desde que não se espere um desempenho empolgante”.
O Bagheera era reestilizado em 1977 com para-choques
mais largos, vidros laterais maiores e novas lanternas traseiras, no que se
chamou S2 (segunda série). Na parte mecânica os freios ganhavam eficiência, o
arrefecimento do motor e o escapamento eram revistos e a caixa de câmbio
adotava relações mais longas. A versão X, com bancos de veludo e novas
conveniências, substituía a Courrèges. A produção do Bagheera perdurou até
abril de 1980. Embora a Matra não o tenha produzido com volante ao lado direito
para exportação oficial ao Reino Unido (tudo teria sido tão mais fácil se o
motorista ficasse no centro…), ele fez admiradores por lá. O renomado
jornalista L.J.K. Setright, da mesma Car, escrevia no fim de sua produção: “Eu
gostava dele. Todo filho de Deus gostava dele. Se alguém não gostava, devia ser
por ele não ter potência suficiente. Era bom aquele carro, um Lamborguine Urraco dos pobres.
Ficamos profundamente impressionados com seu rodar macio, a direção doce e a
estabilidade incomparável”.
A Matra bem que estudou uma solução para
tal falta de potência: o projeto M560, de 1974, com dois motores de 1,3 litro
unidos na base para formar um inusitado “U8” de 2,6 litros e quatro
carburadores — não era um V8, pois tinha dois virabrequins, conectados por uma
corrente. Com 160 a 170 cv estimados e velocidade máxima ao redor de 230 km/h,
esse Bagheeera teve três protótipos construídos com chassi tubular na parte
traseira, câmbio de Porsche e rodas mais largas, um deles destinado ao museu da
marca. Teria sido um carro esporte de respeito, pois o Porsche 911 do período oferecia versões entre 150
e 210 cv, mas considerações sobre custo e consumo de combustível em meio à
crise do petróleo levaram ao abandono do projeto. O curioso esportivo de três
lugares fez sucesso entre os jovens bem-sucedidos e foi um marco na indústria
francesa de carros “fora de série”, com respeitáveis 47.796 exemplares, sendo
25.260 da primeira série. No mesmo ano a razão social da fábrica passava a
Talbot-Matra e aparecia seu sucessor: o Murena,
também com três lugares lado a lado e motor central-traseiro, que evoluía em
aspectos como desempenho e proteção do chassi (agora de aço galvanizado) contra
corrosão. Contudo, duraria apenas três anos e ficaria distante do êxito da
“pantera negra”. Fonte: http://bestcars.uol.com.br/
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