Não é de hoje a validade do adágio
norte-americano “Vença no domingo, venda na segunda-feira”, que prega a
influência do êxito em competições no mercado de automóveis de rua. Mais de um
século atrás, chegava ao público dos Estados Unidos a marca de carros esportivos
e de luxo Stutz, amparada no sucesso nas pistas e responsável por aquele que se
considera o primeiro modelo esporte norte-americano: o Bearcat.
Seu fundador, o engenheiro mecânico Harry C. Stutz, nascido em
1876, projetou e construiu seu primeiro carro em 1897 com motor de um cilindro
e potência de apenas 2 cv. Sete anos depois, desenvolvia para a American Motor
Car Company — de Indianápolis, capital do estado de Indiana — um modelo
compacto de quatro cilindros e 40 cv. Após deixar a American em 1907 em favor
da Marion Motor Car Company, da mesma cidade, Harry fundava em 1910 a
Stutz Auto Parts Company para fabricar conjuntos de transmissão e diferencial
de seu próprio projeto. Um ano depois surgia, ainda em Indianápolis, a Ideal
Motor Car Company para construir automóveis.
Ao desenvolver um novo carro que levaria seu
nome, Stutz sabia que não seria fácil obter o reconhecimento do público em meio
a tantas dezenas de construtores, alguns já bastante consagrados. Por isso, ele
decidiu começar pelas competições. A estreia deu-se na prova 500 Milhas de
Indianápolis (então chamada de International Sweepstakes), em 1911. O modelo da
Ideal, construído em apenas cinco semanas, usava um motor de quatro cilindros
projetado por Stutz e fabricado pela Wisconsin Motor Company, com cilindrada de
6,4 litros e potência ao redor de 60 cv. A seu volante, o sueco Gil
Anderson obteve o 11º. lugar — fora das colocações que recebiam prêmio em
dinheiro, mas nada mal ao se considerar que quase metade dos 40 competidores
ficou pelo caminho. Mais importante, o modelo havia cumprido os mais de 800
quilômetros à média de 110 km/h sem problemas mecânicos, parando apenas para
abastecimento e troca de pneus. Tal êxito justificou a adoção do mote The car that made good in a day, traduzível como “o carro que cumpriu sua promessa em um
dia”. No ano seguinte começava a produção de veículos de rua, com motores de
quatro cilindros e 50 cv e de seis cilindros com 60 cv.
Em maio de 1913, a Ideal e a fábrica de peças Stutz fundiam-se
em uma só empresa, a Stutz Motor Car Company, que mantinha Harry como
presidente. Seu mais famoso modelo foi sem dúvida o Bearcat (apelido para o
leão da montanha), oferecido de 1914 a 1924 e depois entre 1931 e 1934.
Tratava-se de um roadster — conversível esporte de dois lugares — de linhas
simples, típicas dos carros de seu tempo, que usava uma versão mais curta (com
distância entre eixos de 3,05 metros ante 3,30 m) do chassi habitual da marca. Os
ocupantes sentavam-se bem perto do eixo traseiro. As principais diferenças da
versão de rua para a de corridas estavam na aplicação de faróis e lanternas,
para-lamas (ligados por estribos) e um porta-malas. Não havia portas ou
para-brisa como o conhecemos: apenas um vidro circular à frente do motorista
para desviar um pouco o vento. As enormes rodas tinham 34 pol de aro, com pneus
de 4,50 pol de largura, e o peso superava 1.500 kg.
O motor de 6,4 litros (em sua época era comum uma grande
cilindrada unitária, nesse caso 1,6 litro por cilindro), ainda produzido pela
Wisconsin, usava cabeçote em “T”, com as válvulas de admissão de um lado dos
cilindros e as de escapamento no lado oposto, e pistões de alumínio e
desenvolvia 60 cv a 1.500 rpm. Em um teste da revista Mechanix Illustrated em 1951, sua velocidade máxima foi de
130 km/h e acelerar de 0 a 96 km/h levou 29,2 segundos.
O câmbio manual de três marchas sem qualquer sincronização usava relação mais alta (curta) que o de outros modelos Stutz, para ganho em agilidade, e ficava na traseira junto do diferencial em um transeixo. Ambas as suspensões tinham eixo rígido e feixes de molas semielípticas; os freios de comando mecânico atuavam só nas rodas traseiras. Faróis e partida do motor seriam elétricos nos carros Stutz apenas de 1913 em diante, quando aparecia também uma versão de seis cilindros com 80 cv. Na transmissão, o cardã passava a operar em linha reta por meio de um redesenho do chassi, que era pouco mais alto na seção traseira que na dianteira. Rodas com raios metálicos eram opcionais.
ESPECIAL...
A Stutz nasceu nas competições e nelas obteve grandes resultados
durante sua trajetória. Depois daquele 11º. lugar em sua estreia na 500 Milhas
de Indianápolis, a marca voltou à prova em 1912 e obteve a 4ª. colocação. No
mesmo ano vieram o 4º. lugar na Vanderbilt Cup e o 3º. na American Grand Prize.
Em 1913 (ano
do carro da foto), Earl Cooper venceu corridas em Tacoma
(Washington), Santa Mônica e Corona (ambas na Califórnia) e faturou o
campeonato AAA National, enquanto Charles Merz foi 3º. em Indianápolis. Um ano
depois, Barney Oldfield ficou em 5º. na mesma prova: foi o primeiro carro
norte-americano atrás de quatro europeus. A White Squadron (esquadrão branco),
equipe oficial de corridas da Stutz, brilhou em 1915 ao vencer as provas de
Elgin (Illinois), Minneapolis (Minnesota), Point Loma (Califórnia) e Sheepshead
Bay (Nova York) e obter 3º., 4º. e 7º. lugares na Indy 500. O motor já usava
quatro válvulas por cilindro. No mesmo ano, Erwin “Cannonball” Baker dirigiu um
Bearcat de San Diego (Califórnia) a Nova York em 11 dias, sete horas e 15
minutos — novo recorde para essa travessia dos EUA — e Cooper foi o piloto com
mais pontos no campeonato da American Automobile Association (AAA), ainda
não oficial. No ano seguinte a marca ficou de fora das pistas, mas em 1917,
antes que as corridas fossem proibidas por causa da Primeira Guerra Mundial,
Cooper ainda venceu quatro de seis provas que disputou. Ausente de competições
durante o período de sua maior turbulência financeira, a Stutz voltava a
sobressair após uma década. Em 1926, Gene Schulz vencia a prova de Atlantic
City (Nova Jérsei); no ano seguinte, ganhava a subida de montanha de Pikes
Peak, no Colorado, com um Speedster original. Também em 1927, um recorde de
velocidade em 24 horas com média de 109,5 km/h era estabelecido por um Stutz em
Indianápolis e o conversível Black Hawk com carroceria de alumínio era o
campeão da AAA Stock Car, vencendo todas as provas de que participara. Todavia,
a morte do piloto Frank Lockhart em Daytona, ao volante de um Black Hawk
Special, fez a empresa cessar outra vez seu empenho em corridas. Mesmo assim,
um ano depois, o esforço de Charles Weymann (amigo de seu novo presidente
Frederick Ewan Moskowics) levava um Stutz com motor de 4,9 litros à 24
Horas de Le Mans, na França. Depois de dar bastante trabalho ao Bentley que
liderava, o carro de Robert Bloch e Edouard Brisson chegava em 2º. lugar — que
seria o melhor resultado de um carro norte-americano na prova francesa até
1966. Ainda em 1928, Frank Lockhart aplicava dois compressores a um pequeno motor de 1,5
litro com duplo comando de um Stutz Black Hawk que, com carroceria
aerodinâmica, atingia 171,3 km/h no circuito de Daytona (Flórida). Três modelos
da marca com motor de oito cilindros em linha, 5,3 litros e compressor ainda
disputaram Le Mans em 1929; um deles foi 5º colocado.
Fonte:http://bestcars.uol.com.br/Texto: Fabrício Samahá – Fotos: RM Auctions, Conceptcarz.com e divulgação
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