segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Para brasileiro ver: quando a TVR quase abriu uma fábrica no Brasil


A TVR é uma daquelas fabricantes de automóveis às quais é impossível ficar neutro ou indiferente. É quase unanimidade que os carros da TVR não são bonitos, ao menos não no sentido tradicional da palavra, mas a filosofia por trás da marca os isenta do compromisso de agradar aos olhos: homem e máquina devem ter uma conexão direta, sem qualquer tipo de assistência eletrônica e nada que possa interferir em seu controle sobre o carro. Eram assim os TVR fabricados nos anos 1960; foi assim que a TVR chegou aos anos 1990 como uma espécie de salvadora dos esportivos old school; e é assim que a TVR promete continuar. A fase noventista da TVR certamente é pra mais conhecida pelas atuais gerações de entusiastas, e parte da culpa disto é de Gran Turismo. A TVR era uma das poucas fabricantes não-japonesas presentes no primeiro game da franquia, que foi o grande responsável por apresentar a fabricante a muitos que estão nos lendo hoje. E foi justamente no fim da década de 1990, quando a companhia estava passando por uma ótima fase, que o Brasil quase ganhou uma fábrica da TVR. Sim, quase aconteceu. Quase.


Tudo remonta à abertura das importações de automóveis no Brasil, em 1990. Passada a fase de lua de mel inicial, quando dezenas de fabricantes desembarcaram aqui com novas opções, alguns nomes se destacaram e, pouco a pouco, foram se consolidando. Era o caso da Honda, da Toyota e das três grandes alemãs – Mercedes-Benz, Audi e BMW. O próximo passo, naturalmente, era a nacionalização. A Honda, por exemplo, inaugurou sua fábrica na cidade de Sumaré/SP, onde começou a ser fabricado o Civic. Em 1998 a Toyota se instalou em Indaiatuba para produzir o Corolla. Duas fabricantes de grande volume, apostando em sedãs médios para a família – e deu certo para ambas. Mas uma fabricante britânica de nicho praticamente artesanal, como era a TVR, seria algo realmente inusitado. Após um breve período de especulações, a TVR anunciou em abril de 1998 a intenção de inaugurar uma fábrica no Brasil, com anúncio oficial marcado para o dia 11 de maio daquele ano.
Naquela época a TVR pertencia a Peter Wheeler, engenheiro químico britânico que, após comprar um esportivo da marca e se apaixonar pelos seus carros, acabou comprando a própria companhia em 1981 e ficou com ela até 2003. Foi um período próspero para a marca, com o lançamento de modelos que hoje são icônicos – começando pelo TVR Griffith em 1991, que usava motores V8 Rover e Ford. Mais tarde, em 1996, foi a vez do TVR Cerbera, que estreou um motor seis-cilindros desenvolvido in-house – o chamado Speed Six, que em versões posteriores tinha até quatro litros e 412 cv, sendo o seis-em-linha naturalmente aspirado mais potente já produzido em série. O Cerbera, por sua vez, deu origem ao TVR Chimaera, sua versão aberta, e logo ganhou a companhia do TVR Tuscan Speed Six. Embora tivessem nomes diferentes, todos estes carros tinham algumas características em comum: construção tubular com carroceria de fibra de vidro, câmbio manual, tração traseira e desenho bastante incomum, quase avant-garde. Além, é claro, da já citada ausência total de assistências ao motorista. Àquela altura o brasileiro já havia se tornado um dos grandes consumidores de carros esportivos e de luxo do planeta, de acordo com o que Creighton Brown, disse na época. Brown tinha uma ligação forte com o Brasil por causa de Ayrton Senna – ex-diretor da McLaren, foi ele quem convidou o futuro tricampeão para correr na equipe britânica, após ver Ayrton disputando a Fórmula Ford inglesa. Creighton Brown também era proprietário de terras em Farroupilha, no Rio Grande do Sul, e foi lá que ele decidiu investir na construção de uma fábrica da TVR.


Para tal, foi aberta uma nova companhia, a South American Sports Caras Ltda., da qual Brown era o presidente e porta-voz. A relativa simplicidade dos carros da TVR, que tinham baixo volume de produção, encorajava a empreitada. A única exigência de Brown para a instalação da TVR no Brasil era a pavimentação de um trecho de quatro quilômetros entre os municípios de Farroupilha e Flores da Cunha; e o ingresso no Fundo Operação Empresa (Fundopem), programa de incentivo a empreendimentos que concedia isenção de até 75% no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) – desde que, em troca, a empresa oferecesse benefícios ao País, com o a geração de empregos. A TVR também prometia um investimento de R$ 22 milhões (o equivalente a mais de R$ 105 milhões). A fábrica seria instalada em um prédio anteriormente utilizado pela fabricante de calçados Grendene. A previsão era que toda a infraestrutura ficasse pronta para fabricar carros em 15 meses, com as atividades começando no primeiro semestre de 2001. A meta de Brown era repetir no Brasil o sucesso do TVR Tuscan Speed Six, que havia sido lançado na Europa em maio de 1999 e teve mais demanda do que a fábrica em Surrey, no Reino Unido, era capaz de produzir – cerca de 2.000 unidades por ano. Utilizando componentes mecânicos e ferramental importados da Inglaterra, a fábrica em Farroupilha começaria produzindo 200 unidades anualmente. A ideia era dobrar esta quantidade em um prazo de cinco anos. Também havia a ambição de exportar ao menos metade dos carros fabricados para países do Mercosul.

Na época o TVR Tuscan Speed Six era oferecido com uma versão de 365 cv a 7.000 rpm do motor seis-cilindros. Pesando 1.100 kg, o cupê era capaz de ir de zero a 100 km/h em 4,2 segundos, com velocidade máxima de 290 km/h. Há duas décadas, um verdadeiro foguete, com desempenho acima de qualquer outro automóvel produzido no Brasil. Não sairia barato, claro: a previsão era que o Tuscan Speed Six seria vendido por  R$ 100.000 – cerca de R$ 370.000 em valores atuais. Era possível comprar três exemplares do Gol GTI 16v com esta quantia, e ainda sobrava troco para um carro popular 1.0.


Como sabemos, porém, nada disto aconteceu. Para começar, em outubro de 1999 Creighton Brown anunciou que, em vez de Farroupilha/RS, a fábrica da TVR seria construída em Salvador, a capital baiana. De acordo com ela, a Bahia oferecia condições mais vantajosas, como generosos subsídios no ICMS e no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), além de ceder o terreno no qual o prédio seria levantado. Por fim, uma nova oferta foi feita pela cidade de Joinville, em Santa Catarina – o que atrasou o início do projeto para o ano de 2003, com a produção prevista para começar em 2005. A situação ficou ainda pior quando um dos sócios desistiu do empreendimento no meio do caminho, deixando um rombo nas finanças da South American Sports Cars.

Enquanto isto, na Inglaterra, a matriz da TVR já não ia bem. O certo começava a se fechar sobre os esportivos old school da fabricante britânica, que em 2004 foi vendida a um empresário russo chamado Nikolay Smolensky, que tinha a missão de reverter a queda nas vendas – falava-se que o ritmo da produção havia caído de 12 para três ou quatro unidades por semana. A partir daí, a situação financeira da TVR só se complicou, ocasionando a demissão de 300 funcionários em abril de 2006. Naquele momento era impensável investir em uma fábrica no Brasil, e o projeto foi cancelado. Naquele mesmo ano, em 20 de agosto Craighton Brown morreu após uma dura batalha contra o câncer. Com ele, morreu o sonho do TVR brasileiro. FONTE: www.flatout.com.br

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