segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Matra Simca Bagheera, um esportivo para passear a três. Reportagem de uol.com

Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

Projetado pelos franceses em conjunto com a Chrysler, esse três-lugares de motor central obteve êxito com soluções ousadas

A Sociedade Engins Matra, conhecida por sua especialidade em armamentos, sobretudo os aeronáuticos, comprava em 1964 a pequena empresa de René Bonnet de carros esporte. Eram automóveis pequenos com motores de produção em série de grandes fabricantes franceses. O primeiro modelo foi o Djet, com motor Renault, mas a produção só tomou impulso com o interessante 530 de 1965, que usava um V4 da Ford alemã. Em abril de 1969 a Matra assinava um acordo com a Chrysler França, que detinha a marca Simca. Um dos objetivos era usar a ampla rede de concessionárias da empresa para a venda dos esportivos, o que permitiria alcançar um público bem maior; outro, usar a mecânica dos Simcas em novos projetos, mesmo porque não parecia interessante para a Chrysler representar um carro com motor Ford. Para o gigante norte-americano, aquela era a oportunidade de ter um concorrente francês para a série Alpine da Renault, que em 1971 ganharia o modelo A310. O Matra Simca Bagheera era apresentado em abril de 1973 com uma carroceria moderna, feita em poliéster sobre chassi de aço, e soluções originais. A frente baixa e inclinada escondia faróis escamoteáveis, adiante de discretas saídas de ar. O motor não estava ali: para ter acesso a ele abria-se a tampa do porta-malas traseiro, toda de vidro, que dava acesso a outra de madeira envolvida em carpete — recurso comum ao Alpine A310 e que não permitia boa acessibilidade. As lanternas traseiras, que cobriam toda a largura do carro, tinham a inscrição Bagheera, nome da pantera negra da série de ficção Mogli de Rudyard Kipling.

 Com carroceria de poliéster, o Bagheera mostrava linhas esportivas e aerodinâmicas; o motor central-traseiro tinha 1,3 litro e 84 cv
O mais curioso, porém, estava no interior: tinha três lugares lado a lado, fato inédito para um esportivo, com banco individual para o motorista e um inteiriço para dois passageiros. Consta que a Matra estudou a posição central do condutor com um passageiro de cada lado, como no supercarro McLaren F1 de 1993, mas a abandonou: a ideia dificultaria o uso de componentes mecânicos de modelos já existentes da Simca, com impacto no custo de produção. O acabamento usava duas cores que combinavam com a da carroceria, o volante tinha base achatada (favorável ao espaço para as pernas ao entrar e sair) e o painel bem equipado incluía manômetro de óleo. Outra curiosidade era o rádio em posição vertical. Ao lado do motorista posicionavam-se as alavancas de câmbio e do freio de estacionamento. Com 3,97 metros de comprimento, 1,73 m de largura (bem acima do padrão da época, por causa dos três lugares), 1,20 m de altura e 2,37 m de distância entre eixos, o carro oferecia boa capacidade de bagagem, 330 litros (estepe e bateria ficavam na frente), e tinha um coeficiente aerodinâmico anunciado de 0,33, excelente para a época. O Bagheera usava o motor do Simca 1100 TI em posição transversal central-traseira. Com 1,3 litro, comando de válvulas no bloco e dois carburadores, desenvolvia potência de 84 cv e torque de 11 m.kgf, suficientes para velocidade máxima declarada de 185 km/h. Tinha câmbio de quatro marchas e freios a disco nas quatro rodas, recurso então raro; seu peso era de 885 kg. A suspensão independente usava barras de torção em ambos os eixos: longitudinais na frente, com braços sobrepostos, e transversais atrás, com braço arrastado, esta uma solução frequente nos carros franceses do passado. Pneus 155/80 R 13 nas rodas dianteiras e 185/80 R 13 nas traseiras eram uma forma de compensar a maior concentração de peso no eixo posterior.
O modelo foi colocado à venda um mês depois da vitória do Matra MS 670 na 24 Horas de Le Mans em julho de 1973 — bela jogada de marketing. Seus concorrentes europeus eram o Fiat 124 Sport, o Ford Capri RS, o Lancia Fulvia Rallye e o VW Porsche 914. A primeira série especial, a Courrèges, nome de famoso costureiro francês, vinha em 1975. Os tecidos do interior seguiam um padrão exclusivo, em branco, bege e marrom, e havia bolsas nas portas. Só estava disponível na cor branca. No ano seguinte vinha a versão S, com motor de 1,45 litro, 90 cv e 12,4 m.kgf do Simca 1308 GT e do Chrysler Alpine S, com o qual acelerava de 0 a 100 km/h em 11,6 segundos. Os vidros das portas ganhavam controle elétrico, o teto solar vinha como opcional e as rodas passavam a ser de alumínio. No teste da revista inglesa Car as soluções incomuns do Bagheera S foram aprovadas: “É uma máquina notavelmente prática em muitos aspectos. Os três lugares são uma excelente ideia e o tecido dos bancos é especialmente apelativo. Há muito espaço na cabine e um amplo porta-malas. O acabamento da carroceria é bom o suficiente para você se perguntar se ela é realmente de plástico”. Embora com desempenho modesto para um esportivo, o motor foi elogiado: “Tem uma grande disposição para girar forte e suavemente. É um carro que dá ao motorista grande confiança dentro de minutos. No limite de aderência a traseira começa a sair, mas a correção é fácil. O material do Bagheera descreve-o como um carro para quem coloca o prazer de dirigir em primeiro plano: é verdade, desde que não se espere um desempenho empolgante”.
O Bagheera era reestilizado em 1977 com para-choques mais largos, vidros laterais maiores e novas lanternas traseiras, no que se chamou S2 (segunda série). Na parte mecânica os freios ganhavam eficiência, o arrefecimento do motor e o escapamento eram revistos e a caixa de câmbio adotava relações mais longas. A versão X, com bancos de veludo e novas conveniências, substituía a Courrèges. A produção do Bagheera perdurou até abril de 1980. Embora a Matra não o tenha produzido com volante ao lado direito para exportação oficial ao Reino Unido (tudo teria sido tão mais fácil se o motorista ficasse no centro…), ele fez admiradores por lá. O renomado jornalista L.J.K. Setright, da mesma Car, escrevia no fim de sua produção: “Eu gostava dele. Todo filho de Deus gostava dele. Se alguém não gostava, devia ser por ele não ter potência suficiente. Era bom aquele carro, um Lamborguine Urraco dos pobres. Ficamos profundamente impressionados com seu rodar macio, a direção doce e a estabilidade incomparável”.
A Matra bem que estudou uma solução para tal falta de potência: o projeto M560, de 1974, com dois motores de 1,3 litro unidos na base para formar um inusitado “U8” de 2,6 litros e quatro carburadores — não era um V8, pois tinha dois virabrequins, conectados por uma corrente. Com 160 a 170 cv estimados e velocidade máxima ao redor de 230 km/h, esse Bagheeera teve três protótipos construídos com chassi tubular na parte traseira, câmbio de Porsche e rodas mais largas, um deles destinado ao museu da marca. Teria sido um carro esporte de respeito, pois o Porsche 911 do período oferecia versões entre 150 e 210 cv, mas considerações sobre custo e consumo de combustível em meio à crise do petróleo levaram ao abandono do projeto. O curioso esportivo de três lugares fez sucesso entre os jovens bem-sucedidos e foi um marco na indústria francesa de carros “fora de série”, com respeitáveis 47.796 exemplares, sendo 25.260 da primeira série. No mesmo ano a razão social da fábrica passava a Talbot-Matra e aparecia seu sucessor: o Murena, também com três lugares lado a lado e motor central-traseiro, que evoluía em aspectos como desempenho e proteção do chassi (agora de aço galvanizado) contra corrosão. Contudo, duraria apenas três anos e ficaria distante do êxito da “pantera negra”. Fonte:http://bestcars.uol.com.br/


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