Inspirada
nas Cartas de Veneza, Barcelona e de Riga, orientadas respectivamente para a
conservação, restauro, manutenção e preservação de edifícios e monumentos,
embarcações e veículos ferroviários históricos, a Carta de Turim foi escrita em
Munique em outubro de 2012 e decretada pela FIVA em janeiro de 2013 no Museu da
Mercedes-Benz (em Stuttgart) com a mesma intenção, mas voltada para os
automóveis históricos.
São
11 artigos dispostos em apenas quatro páginas, com diretrizes que formaram as
raízes do livro recentemente publicado Charter of Turin Handbook, este sim um
guia de 120 páginas com a intenção de orientar os antigomobilistas sobre as
boas práticas da conservação, restauração e compreensão do que é importante em
um veículo histórico. E do que é propriamente original no sentido mais estrito
do termo. É um material que ajuda a entender porque parte considerável dos
vencedores dos concursos de elegância são historicamente incoerentes em
diversos pontos. Contudo, como é um livro orientado à linhas-mestre mais
gerais, ele menciona pouco sobre as modificações sutis que os
proprietários acabam fazendo no processo de over restoration. Em várias
passagens, seus autores expressam a preocupação com a obsessão do over
restoration, como: “Uma quantidade excepcional de matéria histórica original é
perdida nas chamadas “restaurações concours”, que exageram em uma condição
imaginária de impecável (…). Um esforço imenso é empreendido em eliminar cada
“incômodo” ou “invisível” traço de envelhecimento e desta forma, toda a
substância histórica é eliminada até os ossos. Isso cria uma situação absurda,
considerando que o envelhecimento e a integridade do material original são os
requerimentos básicos de como um veículo pode ser reconhecido como um objeto
original da história da nossa cultura.” Ou: “Da mesma forma que não podemos
imaginar restaurar uma edificação histórica – vamos imaginar um templo grego
como exemplo – como se ele tivesse sido construído ontem, pois isso
representaria uma falsificação de sua natureza e uma mistificação de sua história,
deveríamos evitar modificar os veículos para uma condição “mint” ou “melhor do
que novo”.” Embora estes dois trechos em específico sejam mais diretos e talvez
até intimidadores, de forma geral tanto a Carta quanto o livro derivado desta
são bastante educativos e se colocam como um material de orientação, com a
intenção de jogar uma luz sobre a importância da preservação. Interferir o
quanto for necessário e, ao mesmo tempo, o mínimo possível. O livro também
expõe algumas dificuldades inevitáveis ao processo, como a questão das tintas,
visto que hoje praticamente tudo o que está disponível no mercado tem base de
água.
Esta
Alfa Romeo Giulietta SZ Coda Tronca 1961 do colecionador Corrado Lopresto foi o
primeiro carro não-restaurado a ser exposto com destaque no Concorso d’Eleganza
Villa D’Este: o lado direito foi recuperado com o mínimo de intervenção
possível, buscando os mesmos materiais e técnicas da época. O resultado é menos
vistoso que os típicos vencedores de concursos de elegância, mas sem dúvida,
historicamente mais preciso: você sente a antiguidade de um carro mundano, não
de um monolito de 2001 na forma de automóvel. Na prática, a Carta manifesta
publicamente aquilo que os colecionadores mais tradicionais e apaixonados
sempre prezaram: se a restauração se faz necessária porque a
deterioração do veículo está num estado crítico, é parte
fundamental do processo de restauração a pesquisa histórica não só sobre
qual era a cor exata, mas também entender quais eram os materiais utilizados na
pintura, qual era a percepção visual destes acabamentos, o quanto eles
brilhavam quando novos, como eram os gaps de carroceria, quais eram os tecidos
e curtumes e sua espessura, quais os tipos de madeira e verniz empregados,
como era disposta a fiação. É literalmente um trabalho de historiador, que pode
envolver tanto a pesquisa por material de época quanto a busca por exemplares
survivors para fazer a anotação.
Bugatti T35 (ou T39) de George Eyston:
note os acabamentos
e uma certa irregularidade nas junções. A falta de brilho se deve mais à
poeira.
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Se
pararmos pra pensar, não só faz sentido como deixa toda a jornada de
restauração muito mais saborosa e enriquecedora. E justifica o termo
restauração: o fruto que nasce de um trabalho meticuloso de restauração feito
desta forma é historicamente muito mais preciso que um carro que é simplesmente
desmontado e restaurado no modo “tudo que dá”, com os melhores materiais e
processos possíveis, se preocupando apenas em preservar as cores originais de
carroceria e estilo de acabamento, mas buscando superar o acabamento do
original em cada item executado.