Os 1.500 cv e 420 km/h do Chiron são uma afronta às leis da física (Divulgação/Bugatti) |
Vários anos atrás fiz uma análise do Bugatti
Veyron que foi um tanto efusiva. Falei sobre a tremenda complexidade em fazer
um carro estável e equilibrado andando a mais de 390 km/h e o quanto pilotar
um veículo em tal velocidade pode ser perigoso e incômodo. Um vento de 390 km/h
poderia derrubar todos os prédios de Nova York. E, no entanto, o Veyron tinha de
ser capaz de lidar com ventos de tais velocidades sendo pilotado por alguém
cujas únicas qualificações fossem a capacidade de entrar em uma vaga de ré e
reconhecer uma placa de preferencial. Eu fiquei maravilhado com a engenharia do
carro – por exemplo, ele tinha dez radiadores para lidar com o calor gerado –
e avaliei que, por causa da guerra inexorável contra a velocidade e os motores
de combustão interna, nunca veríamos outro carro parecido. Simplesmente não
haveria ambiente para se produzir um substituto. Seria difícil demais, não
apenas do ponto de vista político mas também de engenharia.E acabou sendo
duplamente difícil, já que a empresa-mãe da Bugatti, a Volkswagen, está
gastando cada centavo para lidar com o Dieselgate.
Hipercarro é o sucessor do Veyron (Divulgação/Bugatti) |
Mas, contrariando todas as
expectativas, a Bugatti criou um sucessor. Custa 2,5 milhões de libras
esterlinas (R$ 10,3 milhões), chama-se Chiron e consegue ser
ainda mais rápido que o Veyron.
Sua máxima é de 420 km/h, o que significa que ele cobre mais de
114 metros por segundo. Sabe aquele helicóptero de ataque Apache? O Chiron é mais
veloz. Parte do seu ritmo quase inacreditável deve-se ao motor de 8 litros, 16
cilindros em W e quatro turbos. O resultado
são inacreditáveis 1.500 cv. Sim, 1.500 cv. Mas igualmente importante é a
carroceria e a forma que ela baixa e muda seu ângulo de ataque à medida que
você anda mais rápido. Algo que não se chega a notar ao volante. Porque você
está ocupado demais prestando atenção na estrada e pensando, de olhos arregalados:
“Isto é absurdo”. Recentemente eu dirigi o Chiron,
não só num autódromo, mas por todo o trajeto
de Saint-Tropez até a fronteira com a Suíça, e depois até Turim. Eu consegui
conhecê-lo bem, e a agitação ainda não passou. Sua velocidade está além de
qualquer coisa que você possa imaginar.
“Não é um supercarro comum. Parece importante e estadista. e de traseira parece feio” (Dominique Fraser/Quatro Rodas) |
Em um ponto da rodovia francesa
encontrei um daqueles ralis de luxo em que jovens senhores levam seus Audi R8,
Aston Martin DB11 e óculos de sol envolventes Oakley em um tour por castelos e
pistas de corrida ao sol. O tempo todo eles
emparelhavam comigo e ficavam acelerando, na esperança que eu cravasse o pé. Bom, depois
de um tempo, foi o que fiz. Mesmo
eles estando 1 km à frente, que foi aonde cheguei depois de alguns míseros
segundos. Não há nada feito por um fabricante de carros de produção que possa
fazer cosquinhas em um Chiron. Um McLaren P1 não chega nem perto. É como me
comparar, como guitarrista, a Jimi Hendrix. E não é só a velocidade em reta que o deixa sem
fôlego e assustado. É o ritmo nas saídas de curva. Você
enterra o pé no carpete
em primeira marcha saindo de um cotovelo e cada um dos cavalos-vapor que você
acionou é convertido sem espalhafato, sem destracionar, diretamente em
movimento para a frente. É aceleração, força g tão vívida, que você pode sentir
seu rosto se soltando dos ossos. É velocidade que dói. Mas ele não é difícil de
guiar. Bem, meu colega de TV Richard Hammond conseguiria jogá-lo morro abaixo,
mas para o resto de nós
ele é canja. Não há recursos teatrais. O escapamento não
faz estouros e estampidos. O motor
não grita. Não há truque sonoro algum. E, dentro da cabine, tudo em que você
toca é de couro ou metal. Exceto o emblema.
Que é de prata.
Interior mescla visual minimalista e acabamentos de alta qualidade (Divulgação/Bugatti) |
Se a Rolls-Royce decidisse fazer
um supercarro de motor central, acho que sairia algo parecido com o Chiron. Ele
nunca é áspero ou desafinado. Não fica pulando nem em vias de paralelepípedos.
Mas tem um porta-malas em que cabe, bem, uma laranja grande. O lado ruim desse
conforto e luxo é que ele não se comporta realmente como um supercarro de motor
central. Ele não “flui”. Não há delicadeza. Ele simplesmente dispara na saída
de curva e então você já está freando para a próxima. Principalmente porque em
um carro tão potente não há coisas como retas. Ele as devora antes de você ter
a chance de perceber. O que
significa que não há onde colocar seus pensamentos em ordem. Não há paz. É tudo
ação. Então, este não é um carro para pilotos “raiz”. Ele passa a sensação de
pesado, porque é. Ele parece vulcânico. Você pode ver um McLaren P1 como um
beija-flor, maravilhando-se com sua capacidade de disparar de lá para cá em um
instante. Já no Chiron, parece que você está passando pela garganta do Vesúvio,
impulsionado por lava, convecção e pressão. Ele nem se parece com um supercarro
de motor central tradicional. Parece importante e estadista. E de alguns
ângulos – especialmente a traseira – ele parece feio.
“A Bugatti chegou lá outra vez. Ainda bem que eu errei” (Dominique Fraser/Quatro Rodas) |
E há aquele focinho com radiador
em forma de ferradura. Que está lá porque a tradição da Bugatti diz que deve
estar. E não dá para deixar de se maravilhar com isso, pois, para que esse
carro seja tão veloz, cada detalhe aerodinâmico teve de ser examinado,
descartado e refeito. Veja um F-1 quando perde algum de seus apêndices
aerodinâmicos: logo acerta o guard rail. E eles raramente
passam de 320 km/h. O Bugatti
é bem mais rápido que isso, o que
significa que incorporar aquele focinho deve ter sido um pesadelo. Mas os
engenheiros de algum jeito conseguiram. Fonte: https://quatrorodas.abril.com.br
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