Você
certamente conhece a reputação do Citroën 2CV. O “guarda-chuva sobre rodas”
feito na França após a Segunda Guerra Mundial era barato, robusto e fácil de
manter – era tudo o que os franceses precisavam para continuar andando de
carro mesmo com a economia fragilizada pelo conflito. Seu desenho utilitário e
simples ao extremo passou a ser considerado charmoso ao longo dos anos, e sua
construção sólida e sua mecânica minimalista faziam dele quase indestrutível.
Segundo consta, era possível até mesmo reaproveitar seus componentes
para fazer uma moto! Não
foi à toa que o Citroën 2CV foi vendido por nada menos que 42 anos, de 1948 a
1990, e não mudou quase nada em todo esse tempo. Mas você achava que as outras
fabricantes francesas ficaram só observando enquanto o 2CV tomava o mercado de
assalto? Achou errado. Hoje
nós vamos contar a história do Renault 4L, que foi criado como uma resposta ao
Citroën 2CV em 1961 e seguiu em produção até 1994 – 33 anos, no total. Por
esta razão é importante falar um pouco sobre o 2CV antes de começar a falar do
4L.
Nos
anos 60 o Citroën 2CV já tinha diversos aperfeiçoamentos em relação ao
projeto original: o motor flat-2 de 375 cm³ e 9 cv havia dado lugar a
uma versão de 425 cm³ e 14 cv; o teto de tecido, que também atuava como tampa
do porta-malas, deu lugar a uma peça de metal, e diversos painéis de aço
corrugado da carroceria deram lugar a superfícies lisas, garantindo um aspecto
mais civil e suave ao pequeno sedã de dois volumes. Como não poderia deixar de
ser, o 2CV também serviu como laboratório para a Citröen, que lançou uma versão
experimental chamada 4×4 Sahara que, como o nome dizia, tinha tração integral.
A sacada era a solução encontrada para conseguir tração traseira: dar ao 2CV um
segundo motor! O motor traseiro tinha sua própria caixa de câmbio, seu próprio
sistema de partida elétrica e seu próprio afogador. Àquela altura, um carro
barato, econômico e charmoso já não era necessidade – o Deux
Chevaux foi se tornando, aos poucos, item de boutique e um carro
de lazer: sua suspensão macia e com curso bastante generoso favorecia até mesmo
expedições ao campo para trilhas leves.
Ou
passeios na praia com sua garota e um violão. Deu para entender o espírito da
coisa, não? Assim,
ao criar o 4L, a Renault levou tudo isto em consideração. O desenvolvimento do
carro começou na segunda metade dos ano 50, e já era perceptível que a relação
dos franceses com os automóveis populares havia mudado. Assim, o Renault 4L foi
concebido desde o início para ser versátil: seu visual era utilitário como o do
Citroën 2CV, porém com linhas mais suaves e modernas que também poderiam
agradar mais aos… mais suaves e modernos. Era um carro tão valente quanto o
2CV, porém maior, mais espaçoso, mais potente e mais urbano.
O
carro foi lançado em duas versões em junho de 1961: Renault R3, com um quatro-cilindros
de 603 cm³ e 22 cv, e Renault R4, com uma versão de 747 cm³ do mesmo motor,
capaz de entregar 26,5 cv ou 32 cv dependendo do carburador utilizado. Eram os
mesmos motores usados pelo antecessor do Renault 4, o Renault 4CV – que
muitos conhecem como “Rabo Quente”, apelido que o modelo ganhou quando foi
vendido no Brasil na década de 50 por conta do motor localizado na traseira.
Ambos os motores eram maiores e mais potentes que o flat-2 do Citroën
2CV, o que já era um ponto a favor. Para um carro que pesava apenas 600 kg, era
mais do que suficiente.
O
motor ficava montado na longitudinal, atrás do eixo dianteiro, enquanto o
câmbio manual de três marchas (desenvolvido especialmente para o Renault 4)
ficava na frente. Na prática, então, o Renault 4 tinha um motor
central-dianteiro. A alavanca do câmbio ficava montada no painel, ligada
diretamente à transmissão através de uma vareta longitudinal que passava por
sobre o motor e a embreagem. Com isto, nenhuma conexão ficava no nível do
assoalho, que por conta disto era plano ao longo de toda a largura da
carroceria, melhorando o espaço interno.
A
construção do carro trazia a carroceria montada sobre uma plataforma separada.
Embora os benefícios da construção monobloco já estivessem começando a ser
reconhecidos (peso reduzido e produção mais rápida e barata), a Renault optou
pelo método mais tradicional para reduzir a carga exercida no teto, permitindo
chapas e colunas mais finas. A suspensão era independente por braços
semi-arrastados nas quatro rodas, com um detalhe inusitado: os braços em cada
eixo ficavam um atrás do outro por questão de espaço. Com isto, as rodas não
eram concêntricas e o lado esquerdo tinha entre-eixos um pouco mais longo do
que o lado direito – era uma diferença pequena, que não afetava o manejo
do carro. O Renault R4 tinha quatro amortecedores telescópicos, sendo que os
traseiros eram montados na horizontal e não invadiam o assoalho plano da parte
traseira.
O
rodar do carro seguia a mesma linha do Citroën 2CV: a suspensão tinha
curso bastante longo e primava pela boa absorção de impactos em pisos
irregulares, garantindo conforto aos ocupantes e leve capacidade off-road. Era
um sistema robusto, simples e de fácil manutenção como o restante do carro. Estas
características foram mantidas ao longo de toda a vida do Renault 4, que passou
por mudanças incrementais com o passar dos anos. Primeiro, já em 1962 a versão
R3 saiu de linha por baixa demanda. Pudera: de tão básico, tinha apenas um
para-sol, não tinha lavador de para-brisas e nem mesmo revestimentos internos
nas portas. O Renault R4, além de contar com estes itens, tinha seis janelas
nas laterais em vez de apenas quatro, o que melhorava a visibilidade. Em 1965,
a Renault eliminou o “R” do nome do carro, que passou a se chamar apenas
Renault 4.
Em
1963 uma versão com motor de 845 cm³, chamada 4L, também começasse a ser
oferecida. Em 1968, o Renault 4L passou a usar um câmbio manual de quatro
marchas e recebeu seu primeiro facelift, com uma grade dianteira mais larga,
feita de metal. Em 1974, esta grade passou a ser de plástico, e o interior
recebeu um novo painel de instrumentos, mais sofisticado.
Em
1978, o Renault 4 passou a ser oferecido na versão GTL, com motor de 1,1 litro
e 34,5 cv, capaz de chegar aos 122 km/h. Cada vez mais o Renault 4 era
considerado um carro “de imagem”, e por conta disto foram lançadas diversas
edições especiais com acabamento externo e interno diferenciados, com novas
cores, texturas e tecidos. A base mecânica permaneceu sempre a mesma – a última
grande mudança aconteceu em 1986: a troca do motor de 845 cm³ das versões mais
baratas por um propulsor de 956 cm³, porém os mesmos 34 cv do motor 1.1. E foi
assim até o fim da produção do Renault 4, em 1991.
A
verdade é que a Renault já estava desenvolvendo o sucessor do Renault 4 nos
anos 70: o Renault 5, que usava o mesmo conjunto mecânico, porém construção
monobloco e estilo mais moderno. Não demorou para que ele também fosse um
sucesso, custando apenas um pouco mais que o Renault 4 e oferecendo um pacote
muito mais completo, confortável, silencioso e agradável de conduzir.
No
entanto, por seu visual já icônico, por sua simplicidade rústica e por sua
robustez, o Renault 4 foi mantido em linha por mais tempo do que o previsto.
Bem mais: no total, mais de oito milhões de exemplares do R4 foram fabricados,
sendo que o primeiro milhão veio já em 1966.
O Renault 4 foi substituído pelo bem mais moderno Twingo de primeira geração, que começou a ser produzido em abril de 1993.
Fonte:www.flatout.com.br